O negro sempre sai perdendo



Quantas vezes já usamos a expressão “é foda” quando não sabemos exatamente o que dizer? Soltamos um “é foda” e fica tudo resolvido. Isso vale pra qualquer situação. O constrangimento do não saber o que falar é rapidamente mascarado pela expressãozinha que é ideal pra qualquer assunto. Pode ser a falta de gente interessante no mercado, a crise da bolsa de valores, a regularidade em torno na Educação Infantil, o debate eleitoral dos presidenciáveis...

Por falar em política, saiu uma nota na Revista Veja em que uma “DJ branca”, Lili Prohmann, que estava tocando Ivone Lara numa boate do Rio de Janeiro foi agredida por uma frequentadora negra do espaço. Não é de hoje que postumamente a cantora vem sendo metida em polêmicas. Recentemente, a atriz, negra, Fabiana Cozza, aprovada na seleção para representar a sambista no musical “Dona Ivone Lara – Um Sorriso Negro”, se sentiu obrigada a recusar a personagem após ser pressionada pela opinião pública que a julgou branca demais para o papel.

Em tempo, o “empoderamento negro” é responsável por promover uma onda muitíssimo bem-vinda de reflexões em vários setores da sociedade em torno de práticas e pensamentos até então banalizados na nossa cultura. Questionar as formas do racismo mais naturalizado, como a constância de atores negros em papéis de empregados domésticos em telenovelas, até a abordagem da História Africana e mesmo da sua Literatura em livros escolares, faz parte desse processo. O movimento de libertação de costumes proveniente é realmente transformador, mas confesso que não sou fã da ideia ou do significado em torno da terminologia. Empoderamento vem de poder. E o poder sempre despertou as piores coisas no ser humano. Pois bem.

Ao dar poder a alguém, ou ao angariá-lo, conferimos ao outro ou a nós mesmos a pretensa carta branca de dar ordens sobre as coisas. Em bom português, as liberdades individuais pelas quais negros historicamente deram a vida para vê-las alforriadas foram suplantadas por uma cartilha de como devemos ser e agir de acordo com as convenções do poderio estabelecido. É através dele que o racismo mostra a sua face mais cruel e mais devastadora. E prova que a luta está longe do seu fim.

Nada é mais estarrecedor quando o tom de pele de uma negra é alvo de discriminação pela própria comunidade ou quando uma canção de uma artista negra é censurada por outra negra sob a brutalidade de uma agressão. Nada retira mais as palavras da boca do que o discurso por trás do seu ato: “A música negra, como expressão da sua cultura, não deve ter o direito de circular livremente, deveria permanecer restrita ao gueto, à senzala, ao seu homizio”.

De fato não há o que se dizer quando duas pessoas são censuradas na tentativa de exercerem o seu trabalho, quando há milhares de outras sendo patrulhadas pelo que vestem, pelo que consomem, pelos lugares que frequentam, pelas pessoas com as quais se relacionam e quando há quem endosse e legitime a censura sob a batuta de uma militância. Sou negro, e já que não podem me acusar de roubar o “lugar da fala” de ninguém (até que me provem o contrário), me sinto confortável para uma autocrítica: toda vez em que um de nós aponta o dedo para o outro negro dizendo como ele deve agir – mais uma vez – o negro sai perdendo. É foda.

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